domingo, 5 de abril de 2009

Maurício Carrilho.


Maurício Lana Carrilho* 26/03/1957 Rio de Janeiro, RJ, Brasil.Instrumentista, arranjador, compositor, ensaísta.


Formação


Maurício Carrilho já nasceu com seu sobrenome inscrito na história da música brasileira por causa de seu tio, o flautista Altamiro Carrilho. Mas a ligação da família com a música vem de mais longe ainda.

"Na família de meu pai, temos conhecimento de músicos nas quatro gerações que antecederam a minha. Eram músicos de banda, em Santo Antônio de Pádua, RJ, e músicos amadores, violonistas, seresteiros, etc. Na família de minha mãe, de Guaxupé, MG, também havia um tio seresteiro. O primeiro músico da família a se profissionalizar foi o meu tio Altamiro. Meu pai, Álvaro, se profissionalizou em música só depois de se aposentar."

Portanto, não é de se estranhar que a memória musical mais remota de Maurício esteja ligada exatamente a seu tio.

"A Bandinha de Altamiro Carrilho, eu era fascinado por ela. Em 1964, com sete anos, eu comecei a me encantar pelo choro, especialmente por um LP do Altamiro chamado 'Choros Imortais' (EMI-Odeon, LP/1964, CD/1999)."

Seria natural, então, que o menino começasse a estudar música tocando flauta. Mas não foi assim.

"Comecei estudando piano, aos cinco anos. A professora era uma mala! Me repreendia sempre que eu tocava de ouvido. Fiquei traumatizado com esse instrumento. Com nove anos, tive minha primeira aula de violão com Dino (n.e.: Horondino José da Silva, o Dino Sete Cordas). Um ano mais tarde, fui estudar com o Meira (n.e.: Jayme Florence, o Meira), com quem permaneci até os 15 anos, mais ou menos. Um dia, ele me disse que não precisava mais ter aulas com ele, que eu devia arranjar uns alunos, e que eu estava convidado a ir à sua casa, tocar com ele, sempre que tivesse vontade."

"Mais tarde, já profissional, eu estudei violão clássico com João Pedro Borges e harmonia e arranjo com Ian Guest. Cursei, sem me formar, medicina na UEG (UERJ), composição na UFRJ e licenciatura em música na UNIRIO."

O método preferido de seus dois primeiros professores de violão – Dino Sete Cordas e Meira – já nasce com o músico e deve ser, apenas, aprimorado.

"Com Dino eu não usava nenhum livro. Ele ensinava umas seqüências de acordes que me foram bem úteis pra tocar de ouvido. Meira usava um método de violão que se chamava 'La Escuela de la Guitarra Moderna', de Mario Arenas (7 livros, Editora Ricordi). E na maior parte da aula, que durava três ou quatro horas, tocávamos de ouvido."

De seu aprendizado, o que ficou para Maurício de mais útil e agradável?

"Aprendi a ler música com Meira, porém o treinamento de percepção feito por ele, em que eu aprendia melodias de ouvido e improvisava harmonias para melodias desconhecidas, talvez tenha sido o mais importante e fundamental para minha formação."

Para Maurício, "Meira no violão, no treino rítmico, harmônico, na malandragem de tocar de ouvido e, mais tarde, Radamés Gnattali, pelo aprofundamento da linguagem musical brasileira, pela música de câmera, sinfônica e pelos arranjos", foram as figuras fundamentais em sua formação musical.

O auto-didatismo teve lugar nesta formação?

"Partindo do treinamento dado por Meira e do incentivo de Radamés Gnattali eu acabei criando minhas coisas, que hoje tento passar adiante como professor."

Muitos outros músicos – profissionais ou não – com quem Maurício conviveu e convive foram e são muito importantes para o músico que ele é hoje.

"Essa lista é imensa, não pára de aumentar, e vai me obrigar a cometer injustiças, mas vamos lá. Desde meus mestres - Altamiro Carrilho, Meira, Dino Sete Cordas, Radamés Gnattali -, passando por músicos amadores, com quem aprendi e por quem fui incentivado (meu pai, Ricardo Dias e o Dr. Sérgio Régis, estes dois últimos violonistas, foram os mais importantes), até os companheiros de trabalho: Raphael Rabello e Luciana Rabello, João de Aquino, Pedro Amorim e Paulo Sérgio Santos, Arismar do Espírito Santo, Paulo César Pinheiro, Nailor Proveta, Toninho Carrasqueira, Paulo Aragão, Marcelo Bernardes, Pedro Paes, Cristóvão Bastos e Rui Alvim.

Com Raphael Rabello e Luciana Rabello percebi que sabia tocar choro. Com João de Aquino aprendi que, ritmicamente, eu tocava um violão diferenciado. Com Pedro Amorim aprendi a tocar em duo. Com Paulo Sérgio Santos aprendi a ensaiar e preparar, cameristicamente, uma peça. Com Arismar do Espírito Santo aprendi a me arriscar, improvisando. Com Paulo César Pinheiro aprendi que teria a responsabilidade, como violonista acompanhador, de representar a escola de Meira e Baden Powell, e o dever de compor. Com Nailor Proveta aprendi a ver nossa música como uma linguagem musical. Com Toninho Carrasqueira eu compreendi que a música, ao contrário dos seres humanos, tem alma. Com Paulo Aragão eu aprendo todo dia. Tudo que deixei de estudar, por negligência ou falta de oportunidade, ele estudou e estuda. Embora seja meu aluno em algumas matérias, é meu principal conselheiro musical nas horas mais difíceis. Com meu pai aprendi a não me sentir nunca melhor ou pior do que ninguém."


Professor


Maurício Carrilho ensina música regularmente para alunos iniciantes, avançados e, também, para profissionais.
Ensina "violão, especialmente acompanhamento de música brasileira, e composição de choro."

Seu método de ensino vem sendo desenvolvido ao longo dos anos de experiência com a Escola Portátil de Música.

"Estamos sistematizando, na EPM, o conhecimento da linguagem do choro. Criamos nosso próprio material didático, baseado no conteúdo dessa linguagem, transmitido de geração a geração, por tradição oral, durante mais de 150 anos."

Os livros e métodos que Maurício recomenda aos seus alunos são:

"Para estudo da história do choro os livros de Ary Vasconcellos – 'Carinhoso etc. História e inventário do choro' (1984), 'Raízes da Música Popular Brasileira (1977), 'Panorama da Música Popular Brasileira na Belle Époque' (1977) - e de Humberto Franceschi – 'A Casa Edison e seu Tempo' (Sarapuí, Biscoito Fino, 2002) -, além do fabuloso 'O Choro', de Alexandre Gonçalves Pinto (Funarte, 1978). Para repertório do choro os 'Cadernos de Choro', da Acari Records, e as apostilas da Escola Portátil de Música."

Como professor e, certamente, seguindo seus mestres, Maurício Carrilho diz: "Tento passar minha experiência de músico e compositor, usando o mínimo possível de regras, teorias, e o máximo de percepção musical."


Instrumentista


Maurício Carrilho toca violões de seis e sete cordas e embora não aponte nenhuma preferência, "nos últimos 13 anos tenho tocado violão de sete cordas."
"Não tenho rotina de estudos. Há períodos em que fico o dia todo tocando e semanas em que nem encosto a mão no instrumento."

Quando estuda, Maurício prefere fazê-lo de manhã, horário em que "faço tudo melhor" e "normalmente, procuro tocar melodias tecnicamente difíceis. Acho mais estimulante do que fazer escalas."

Segundo Maurício, a característica principal de seu estilo como instrumentista reside no fato de ser "profundamente ligado à música brasileira, rítmica e harmonicamente; isto talvez me diferencie de alguns colegas."

A música brasileira é também, para ele, sua bússola na hora de improvisar.

"Uma vez eu ouvi Nailor Proveta dizer a um aluno: '- você quer improvisar? Então trate de estudar pra tocar de memória 200 choros. Depois disso você vai ter elementos para improvisar'. Acho que cumpro esse pré-requisito."

Os três instrumentistas que mais influenciaram Maurício Carrilho são Baden Powell, Meira e Dino Sete Cordas.

"Qualquer gravação desses músicos, ou minha, pode servir de exemplo destas influências."


Compositor


Logo em sua primeira composição, Maurício Carrilho teve um parceiro e tanto.
"A primeira melodia que compus eu tinha cinco anos. O Altamiro completou e gravou em 1967, quando eu completei 10 anos. A música é um maxixe, 'Toca bandinha', e o LP é 'Altamiro Carrilho e sua Bandinha no Largo da Matriz' (Copacabana, LP/1967)."

Maurício compõe regularmente e "na última vez que contei, tinha umas 750 músicas compostas, 90% instrumentais. Gravadas umas 80."

"Um dia eu descobri que poderia compor quando quisesse. Em 2005, me propus a compor todos os dias do ano ao menos uma música completa com, no mínimo, duas partes de 16 compassos. Do dia 1º de janeiro a 31 de dezembro foram 408 músicas. Atualmente, tenho composto peças de música de câmera e orquestrais que me estão sendo encomendadas por músicos, produtores, regentes, etc."

Como característica marcante de suas composições, Maurício aponta a predominância de uma determinada linguagem musical.

"A maior parte da música instrumental que fiz se localiza no universo do choro. Tenho procurado, com o meu trabalho, ampliar os horizontes dos gêneros que integram essa linguagem musical, tanto no aspecto rítmico e harmônico, quanto no que diz respeito à instrumentação. O grande número de choros que compus funcionam, também, como uma espécie de banco de idéias temáticas do qual me utilizo quando vou compor para orquestra e formações camerísticas."

Entre suas inúmeras composições, as que, para Maurício Carrilho, mais representam sua obra, são "no ambiente do choro, a série 'Choro Ímpar' (Acari Records, CD/2007), pelo que traz de novidade no uso de compassos até então incomuns no choro (3/4, 5/4, 7/8, 9/8, 11/8). Na música de concerto, a 'Suíte para Violão de Sete Cordas e Orquestra', primeira peça de concerto escrita para violão de sete cordas e orquestra sinfônica."

A influência principal que Maurício Carrilho identifica em sua faceta de compositor vem de Radamés Gnattali, "pela proximidade que tivemos quando eu começava minha carreira, ele representou sempre uma referência pra mim."


Arranjador


Maurício Carrilho faz arranjos para instrumentos solo, pequenos grupos e orquestras e tem dificuldade para apontar, entre seus arranjos, aqueles que seriam os mais representativos.
"Em determinada época eu cheguei a fazer mais de 250 arranjos por ano. É difícil eleger os mais representativos. Talvez os arranjos para a Camerata Carioca ("Tocar", Polygram/Philips/Universal, LP/1983, CD/2001), O Trio ("O Trio", SACI, CD/1993) e para o grupo com o qual trabalho atualmente, o Sexteto Maurício Carrilho ("Maurício Carrilho – Sexteto + 2", Acari Records, CD/2004, e “Choro Ímpar”, Acari Records, CD/2007), me despertem certa predileção." (n.e.: o site http://www.discosdobrasil.com.br/ tem, catalogados, 860 arranjos escritos por Maurício em 100 discos.)

Maurício não aponta nenhuma característica particular em seus arranjos e, quanto às influências que recebeu como arranjador, "acho que aprendi muito com diversos arranjadores. Em algumas épocas tive preferências que hoje já não me encantam tanto. Mas se tivesse que citar três do passado e três contemporâneos, eu não teria dúvida: Pixinguinha, Radamés Gnattali e Moacir Santos; Nailor Proveta, Cristóvão Bastos e Paulo Aragão."


Carreira


Maurício Carrilho divide sua carreira profissional em três fases:
"Acho que existiram três fases bem distintas. A primeira em que atuava como músico (1977-1978). A segunda na qual, além de músico, passei a trabalhar como arranjador e produtor (1979-1999). A terceira, em que o compositor foi se tornando pouco a pouco mais importante e que coincide com uma maior atividade como professor também (2000-2008)."

Sobre as mudanças que aconteceram ao longo desta trajetória, "mudou a experiência. Alguns parceiros mudaram, outros permaneceram. A profundidade do conhecimento da música que faço, ensino, estudo e ouço também mudou. Eu nunca deixei de fazer nada em música. As atividades foram se diversificando de acordo com minhas necessidades e interesses. Uma coisa eu nunca deixei de fazer: ter um trabalho de música instrumental em atividade; desde Os Carioquinhas, passando pela Camerata Carioca, O Trio, até o sexteto que criei para divulgar meu trabalho de compositor. Isso sempre me ajudou como arranjador, produtor e músico nos trabalhos realizados com cantores."

Como não poderia deixar de ser, as gravações que Maurício indica como representativas de cada uma destas fases são muitas.

"Os discos gravados com os grupos citados, os trabalhos realizados na gravadora Acari Records e as gravações com importantes cantores e compositores de nossa música, como Nara Leão - que me encomendou os primeiros arranjos que fiz como profissional (n. e.: "E Que Tudo Mais Vá Pro Inferno", Philips/Phonogram, LP/1978, CD/2002) -, Elizeth Cardoso, Cristina Buarque, Teca Calazans, Paulo César Pinheiro - meu parceiro mais constante -, Chico Buarque e muitos outros."


Preferências


Quando está sozinho, o que Maurício Carrilho toca para si mesmo?
"Não gosto de tocar nem de falar sozinho. Sempre gostei de tocar em grupo ou, no mínimo, em duo."

Para ouvir, a "lista é imensa. Gosto de ouvir música clássica, gravações antigas de choro e samba, os clássicos do jazz, e os trabalhos que temos realizado com repertório dos mestres do choro." (n.e.: "Princípios Do Choro", série com 15 CDs, Acari Records/Biscoito Fino, 2002; "Joaquim Callado – O Pai Dos Chorões", caixa com 5 CDs, Acari Records/Arte_Fato Produto Cultural, 2004; "Choro Carioca – Música Do Brasil”, caixa com 9 CDs, Acari Records, 2006).

Entre tantos, há discos que Maurício ouça repetidamente?

"Durante muito tempo fui ouvinte obsessivo de alguns discos de Altamiro Carrilho, 'Choros Imortais' (EMI-Odeon, LP/1964, CD/1999); Jacob do Bandolim, 'Vibrações' (RCA, LP/1967, CD/1989); Baden Powell (todos os discos feitos antes de seu retorno ao Brasil), Astor Piazzolla, Duke Ellington, Bill Evans. Ultimamente, só fiquei ouvindo repetidamente os discos de Léa Freire, 'Cartas Brasileiras' (Maritaca, CD/2006); Nailor Proveta, 'Tocando Para O Interior' (Núcleo Contemporâneo, CD/2007) e o do Quarteto Maogani, 'Impressão De Choro' (Joaninha Produções/Biscoito Fino, CD/2008)."

De quais discos Maurício gostaria de ter participado?
"Acho que já participei de discos demais, chega!!!"

Quais composições gostaria de ter feito?
"Adoro ouvir a obra de vários compositores mas, sinceramente, não gostaria de ter sido o compositor delas."

E que arranjos queria ter assinado?
"Todos os arranjos que fiz tiveram uma grande contribuição dos arranjadores que ouvi e com os quais aprendi. Isso é mais do que suficiente pra que me sinta feliz e realizado."

Intimado a fazer mais algum comentário sobre seu gosto musical...

"Depois dessa maratona de respostas eu me abstenho de qualquer outro comentário."


Discografia


Ver http://www.acari.com.br/ e, também, como instrumentista, arranjador, compositor, participações especiais e intérprete principal, http://www.discosdobrasil.com.br/ .


(Verbete editado por Maria Luiza Kfouri a partir de questionário respondido pelo próprio músico.)
Edição: [Ygor Furtado]
Maurício Carrilho - Samba da Esperança





Mauricio Carrilho - Entrevista/Entretien/Interview


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